Um dia desses a minha irmã mandou a seguinte mensagem:
@Beatriz, olha o que a Dri achou e me deu hoje
Seguido de imagens de um trabalho que fiz na escola em 2012.
Adriane era, e ainda é, coordenadora da escola que estudei. Minha irmã continua por lá e faz esse meio de campo com minhas memórias.
Assim que vi a capa, me lembrei do trabalho. Ele foi feito na disciplina de literatura, para a icônica professora, Francisca, que sempre amei. Nós havíamos lido o livro “Agenda Poética”, da escritora Telma Guimarães Castro Andrade. O livro é uma espécie de diário de uma adolescente que expõe seus sentimentos e seu cotidiano de forma poética. Não tenho memórias muito vivas do livro em si, mas o trabalho consistia em imitar a protagonista Cecília e contar um pouco da nossa vida em poemas.
Escrevi três, um sobre minha formatura da educação infantil em 2006, sobre o nascimento da minha irmã em 2008 e, por fim, sobre minha viagem a Paraty no início de 2012. Achei engraçadinho a escolha dos temas e achei os poemas terríveis! Acho que não têm nada de poesia. Porém, foi divertido ver minha letra aos 12 anos, ver o que era importante pra mim aos 12 anos, o que gostava e achava bonito aos 12 anos.
Em uma das minhas fotos da colagem da capa, apareço lendo o primeiro livro da série de Pretty Little Liars. Além disso, as atrizes da série também aparecem em meio às fotos. Nunca terminei essa saga, a série mesmo, desisti das últimas temporadas. Mas essa história me impactou tanto, assim como minhas amigas, que também me inspirou. Lembro de rabiscar ideias de um livro baseado nas amigas (ou inimigas, né?).
Não sei mais onde esse rascunho se encontra, tenho uma caixa com meus diários antigos, que escrevo desde os 6 anos, mas essa história foi em um pequeno bloquinho, não sei se guardei.
Na capa, também estão os livros da série Harry Potter. Eles tiveram uma influência gigante no meu amadurecimento e paixão pela literatura. Sinto saudades da época em que li os livros e que, de certa forma, acreditava naquele mundo de magia. Era meu sonho ter uma inspiração mágica numa viagem de trem e escrever uma história tão incrível.
Minha paixão pela leitura e escrita é antiga. Reencontrar esse trabalho me fez reconectar com os meus sonhos. Sonhos de criança são grandes e hoje os vejo como inalcançáveis. E eu detesto decepcionar a mini Bia pensando assim.
Alguns dias depois de receber minha Agenda Poética, li um texto da Bruna Kalil Othero aqui mesmo, no substack, intitulado: “pelo suor silencioso”. No texto, Bruna reflete sobre sua jornada literária, desde a ansiedade juvenil de publicar rapidamente até a compreensão da importância da calma e maturação no processo criativo. Ela publicou seu primeiro livro aos 20 anos e é de poesias, coincidentemente.
Sempre invejei autoras jovens. Clarice Lispector publicou seu primeiro livro, Perto do Coração Selvagem, em 1943, aos 23 anos. Descobri isso ao stalkear uma menina com o mesmo nome que o meu que publicou seu primeiro livro com a mesma idade da Clarice. Ela já realizou todos os meus sonhos.
Eu não a conheço pessoalmente, nunca li seu livro. Mas acompanho, sem segui-la, só para me sentir mal. Ela tem uma newsletter aqui, com muito mais leitores que eu, tem quase 30 mil seguidores no Instagram, um mestrado na França. Faz parcerias com marcas que eu consumo, tem um gosto impecável, viaja muito mais que eu, lê muito mais que eu. Ela transforma tudo em poesia, tudo fica aesthetic no seu feed. Isso tudo com apenas um ano de idade a mais que eu. Ela também se compara a Carrie Bradshaw e no fim das contas é muito mais parecida com ela do que eu. E o quanto ela é bonita? Ainda nem comentei sobre o cabelo e o corpo dela.
Vejo ela realizando todos os meus sonhos que mofam na gaveta. Todos os sonhos da Biazinha. Infelizmente, ela não me inspira, ela me destrói. Ela escancara meu fracasso. jealousy, jealousy da Olivia Rodrigo playing in the background.
Essa música revela tudo que sinto. O amargo da inveja, que detesto sentir. O quanto perco me comparando com, não uma vida, mas o recorte de uma no Instagram. Olivia fez um show no Brasil na semana passada, acho engraçado quem a caracteriza como apenas uma cantora para crianças e adolescentes. Ela não é. I'm so sick of 17 Where's my fucking teenage dream? Ainda estamos nos fazendo essa pergunta, independente da idade. Onde estão meus sonhos?
God, it's brutal out here
Não é na adolescência que aprendemos a identificar e nomear sentimentos com consciência? Talvez por isso, as letras da Olivia ressoem entre um público maior, já que os sentimentos estão mais frescos, ela os sente como novidade e, assim, fica mais fácil descrevê-los.
Bem, voltando a jealousy jealousy, até a Olivia, que provavelmente realizou seus sonhos, afinal, escutou a música que escreveu aos 16 anos no seu quarto sendo cantada por milhares de pessoas, se sente frustrada e se compara, então, quem sou eu?
Alguém com menos talento que ela, com certeza. Menos talento que a minha xará. Ao mesmo tempo, sei que não saí do mesmo lugar que as duas e que a comparação é injusta, mas é difícil isso entrar na minha cabeça. Assim como o fato de que eu ainda vou completar 25 (no domingo, inclusive) e tenho tempo. O sentimento de que os meus sonhos já venceram me consome. Já trabalho com pessoas mais novas que eu, ora.
A Bruna Kalil me deu a ansiedade de ter escrito o primeiro livro aos vinte, mas logo em seguida me abraçou. Kalil reflete sobre a importância da persistência, dos estudos. Para ela, mais do que a inspiração, eles são essenciais para escritores, conforme defendido por Octavia Butler.
Antes de experimentar, dominar o básico. Entender o campo em que se quer entrar, em todas as suas complexidades e nuances, para depois pensar: onde me encaixo? Ou melhor, no espírito da transgressão: onde posso deformar este espaço? A liberdade é usada com sabedoria depois dos aprendizados da constrição. Afinal, para destruir a tradição, é preciso primeiro conhecê-la, por meio da pesquisa e do repertório. Ir bebendo no copo dos outros, como diz Mário de Andrade no “Prefácio interessantíssimo”.
Estou ainda tentando entender onde me encaixo. E talvez tenha que matar a mini Bia para isso. Não seus poemas terríveis aos 12 anos, eles foram fertilizantes para o que escrevo e irei escrever, como aborda Bruna. Mas matar seus sonhos urgentes e sua ideia de fracasso. Ela não existe mais, seus sonhos não existem mais, só seus poemas restam. Preciso me debruçar na pergunta: o que eu sonho agora?
Ainda não sei. Talvez me comparar menos, invejar menos, realizar mais. Mas, com certeza, sonho em continuar escrevendo pra sempre.
Isso que você escreveu tá uma bosta? Que ótimo, a merda é o melhor fertilizante que há.
Amei ser citada aqui! Vamos seguir sempre escrevendo <3
Curioso como essa Siriema chegou num momento em que também tenho pensando sobre meus sonhos de criança. Bateu em muitos lugares aqui! No mais, fico feliz que você sonhe em escrever pra sempre, acho que o mundo merece conhecer as palavras que você usa para descrevê-lo :)